A Emenda Constitucional 132/2023 deu início à tão aguardada reforma tributária, trazendo significativas mudanças ao sistema constitucional tributário, especialmente na "tributação sobre o consumo". Uma proposta central desta reforma era a federalização da tributação sobre o consumo, que acabou não sendo politicamente viável. Em seu lugar, foi instituído o chamado "IVA dual". Este novo modelo divide a tributação entre um imposto, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), administrado pelos estados, Distrito Federal e municípios, e uma contribuição social, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), administrada pela União.
Essa divisão reflete a dualidade na administração da tributação sobre o consumo. Apesar de a competência legislativa do IBS ser da União, a competência administrativa ficou a cargo dos estados, Distrito Federal e municípios. Isso significa que, embora a lei complementar que institui o IBS seja federal, a administração prática do imposto é realizada pelos entes subnacionais. Este ponto é crucial para entender a distribuição das responsabilidades e a operacionalização do sistema tributário pós-reforma.
Quando falamos em competência administrativa, referimo-nos à capacidade tributária ativa, ou seja, a habilidade de fiscalizar, arrecadar e cobrar o imposto. A Emenda Constitucional 132/2023 deixou claro que a capacidade tributária ativa do IBS pertence aos estados, Distrito Federal e municípios, conforme disposto no caput do artigo 156-A. A regulamentação por lei complementar não pode alterar essa disposição, pois é reforçada pelo artigo 156-B, § 2º, V, que define que a fiscalização, lançamento, cobrança e representação administrativa e judicial do imposto são realizadas pelas administrações tributárias e procuradorias dos estados, Distrito Federal e municípios.
Neste contexto, o Projeto de Lei Complementar 108/2024, recentemente apresentado ao Congresso Nacional pelo governo federal, delimita as ações do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) em relação à cobrança judicial do IBS. O CG-IBS tem o papel de coordenar, mas não de atuar como sujeito ativo na relação jurídico-tributária ou processual. Sua função é integrar os entes federativos, auxiliando na inscrição em dívida ativa e na cobrança judicial, sem assumir a titularidade do crédito tributário.
O papel do CG-IBS é fundamental para garantir a integração e a coordenação entre estados, Distrito Federal e municípios, mas sempre respeitando a capacidade tributária ativa destes entes. O PLP 108/2024 prevê a possibilidade de delegação dessa capacidade, permitindo que um ente federativo, como um estado, possa cobrar tanto o seu quanto o tributo de um município, desde que haja acordo entre eles. Isso visa otimizar a estrutura de cobrança, principalmente em cenários onde um ente possui maior capacidade operacional que outro.
A possibilidade de delegação da capacidade tributária ativa entre os entes federativos é estabelecida pelo artigo 5º do PLP 108/2024. Este artigo permite que as atividades de cobrança e representação sejam delegadas, nos termos definidos pelo CG-IBS. Dessa forma, um estado pode atuar em nome próprio e em nome de outros entes federativos titulares de parcela do crédito tributário, estabelecendo uma forma eficiente de gestão e cobrança dos tributos devidos.
Entretanto, a delegação deve ser vista com cautela. Embora possa trazer eficiência, ela também precisa ser bem regulamentada para evitar conflitos de competência e assegurar que os direitos dos contribuintes sejam respeitados. A clareza sobre quem é o ente responsável pela cobrança é crucial, especialmente em litígios tributários. A harmonização entre os entes federativos e a transparência na delegação de responsabilidades são essenciais para o sucesso deste novo modelo tributário.
Apesar de algumas controvérsias na comunidade jurídica sobre a eficácia dessa estrutura, o foco deve estar na colaboração entre os entes para evitar conflitos e garantir a harmonia na aplicação do IBS e da CBS. Alguns defendem a centralização da cobrança pelo CG-IBS, o que implicaria numa federalização indesejada. No entanto, o caminho adotado pela Emenda Constitucional 132/2023 e pelo PLP 108/2024 promove a colaboração entre os entes federativos, respeitando suas competências e capacidades.
Portanto, a reforma tributária iniciada pela Emenda Constitucional 132/2023 e detalhada pelo PLP 108/2024 representa um passo significativo na modernização do sistema tributário brasileiro. A implementação do IVA dual, com a divisão clara de responsabilidades entre União, estados, Distrito Federal e municípios, visa melhorar a eficiência na arrecadação e administração dos tributos sobre o consumo. A colaboração e a coordenação entre os entes federativos são essenciais para garantir o sucesso desta nova estrutura, trazendo benefícios tanto para o governo quanto para os contribuintes.
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